domingo, 15 de abril de 2012

Cúpula de ferro





Era mais uma manhã daquelas em que na noite anterior eu não havia dormido nada. Chegara à conclusão de minha autoanálise. Cheguei a tantas conclusões que não cabem aqui. Cheguei à metade de abril e em quase tudo esse ano mudou e tem me mudado. Não serei ridiculamente criteriosa a ponto de dizer no que esse ano difere do outro. Apenas direi que tenho percebido mudanças em como ver o mundo e em como ver as diferenças.
Afastei-me um pouco do catolicismo, quase cheguei a crer que Deus era uma ilusão. Bobagem, bobagem, bobagem. Eu só fui ao fundo do poço, perdi a fé, experimentei da lama e pude ver que sou bem mais e melhor.
Das pessoas, estou tentando ver só o lado bom. Só o lado óbvio e pertinente que todas elas me mostram. Ou acham que mostram, porque sempre fica algo nas entrelinhas delas mesmas. Mas bem, esqueceremos as entrelinhas. Nada de ir ao fundo de alma alguma. Nada de querer entender os porquês. É muita perda de tempo decifrar olhares dentro de multidões. Bem melhor é esperar que os olhares aproximem-se e te falem o que eles achem necessário dizer.
Estou parada. Digo parada, porque não quero ir além da linha que separa a intimidade de cada um. E estou criando pouco a pouco um muro em torno da minha. Não tem por que ninguém saber das minhas crises, medos, abstinências e coragens. Apenas entro no banheiro, me olho no espelho e digo para qualquer dor que venha a aparecer: você é pouco pra mim.
Mantenho-me presa a essa atmosfera de autocontrole. Não deixa de ser uma prisão quando mantemos o controle. Mas quer saber? É bom ter visto tantos filmes a ponto de saber muito bem do que se trata o próximo. E eu sei muito bem o que virá depois. Virá o medo de perder toda essa segurança e de-sa-bar. Devo construir uma cúpula mais forte da próxima vez, quem sabe de ferro. Agora compreendo porque devemos ser mais criteriosos quando o assunto for: autoconhecimento.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Quando a dor se torna parte.


E agora, eu já não caibo mais dentro de mim mesma. Essa solidão, esse medo e esse desespero me fazem ficar mil vezes mais densa. Como conter as lágrimas se elas são quem tem sido a válvula de escape?  Meu corpo todo dói e os meus ombros já sentem o peso do cansaço. Tudo isso só não consegue ser maior que a própria dor. Tudo isso só não consegue ser mais pesado do que o meu coração.

Olho-me rapidamente no espelho. Digo rapidamente porque já não consigo mais encarar meus próprios olhos; pretos e fundos revelam as noites mal dormidas. Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que sentimos. E essa "coisa" não tem cura porque a coloquei no centro da minha existência. E pra ser sincera, eu não esperava menos que isso. Dores, cada um tem as suas. Não podemos julgar a dor alheia, mas nosso egoísmo sempre nos faz crer que a nossa é maior.
No papel em branco vejo o rímel escorrendo junto com as lágrimas. O lápis está vazado de água. O que fazer? Algum lugar deve me caber. Alguém deveria ao menos entender toda essa dor. Como é azeda, como é pobre e como se tornou intrínseca essa dor. Ela é latente e esperta. Finge que vai embora quando rapidamente me iludo com miolos de felicidades. Bobagem! Ela sempre volta e me corta por inteira. Ninguém nunca sabe quando ela está ao meu redor, porque ela apenas se apresenta quando estou só.
Qualquer coisa por maior que seja ainda é menor que essa excruciante desolação. Ninguém além de quem a causou pode curá-la. Agora; estou irremediavelmente entregue para ela. Jogo meu corpo no chão frio, encho o peito de ar (ainda que não o ache), tomo mais uma amitriptilina e tento dormir. Continuo tendo milhões de motivos pra virar a página, mas nenhum que me faça ter coragem.

sábado, 7 de abril de 2012

A menina do laço de fita.

Era uma menina como outra qualquer. Exceto pela capacidade de sonhar.  Desde pequena ensaiava no espelho maneiras de impressionar. Ficava no jogo de caras e bocas e se achava não a mais bela, mas a de olhar mais profundo. Possuía artimanhas desde pequena e jogava com os meninos feito um moleque. Não gostava de fitas rosa no cabelo, ela tinha uma amarela. Amigas? Pouquíssimas. Ela se acompanhava com os meninos porque eles sim sabiam brincar feito criança. Corriam sem medo de despentear. E ela gostava dessa liberdade. Desse cabelo solto, desse laço de fita desmanchando ao vento.
Esqueceu-se até que poderia crescer. Esqueceu-se de tal maneira que cresceu sem perceber. Já não corria pelas ruas para brincar de esconde-esconde. Mas corria com pressa de não chegar atrasada no colégio. Ela aos poucos notou que os livros tomaram o lugar dos brinquedos na estante. Mas mesmo assim, continuou a jogar seu cabelo ao vento. De certo, retirou a fita. Colocou um broche. E continuou a correr. Ela já não corria pra não chegar atrasada, corria apenas para chegar. O tempo foi adormecendo os sonhos da menina. Mas ela de peito erguido continuou... Agora ela já não corre. Caminha. Caminha com passos um pouco ligeiros. Distribui sua beleza cercada de inocência. Ela pensa que está no caminho certo. Mas pergunta-se para a menina: Onde estão seus amigos? Ela responde que possui novos amigos agora. Não são os mesmos, nem possuem o mesmo brilho, mas são amigos.
Agora, a menina apressa o passo. Ela quer ganhar espaço no mercado. Ela acredita em si e produz. Ela esquece que um dia pode se apaixonar. E de tanto esquecer, se apaixona sem perceber. Agora ela para, olha ao redor, suspira e vê que seu sonho encolheu. O seu sonho agora cabe todinho em outro olhar. Seria como conto de fadas, se esse outro olhar notasse o dela. Mas não notou. Por isso a menina (que já não é mais menina) recolhe os pedaços de ilusão. Notou que o queixo e joelhos ralados não doíam tanto perto do que seu coração sentia.
Mas continuou a andar. A moça que agora caminha não é mais como era a menina. Ela aprendeu que não precisa ter tanta pressa.  Ela apenas vai... Os cabelos ainda voam. Cabelos soltos. Parece ser livre, essa moça. Parece que é dona de si. Mas ela ainda não sabe que não adianta se esconder. E sonha.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Quem sabe até o próximo cais.

Desde muito cedo estamos juntos nesse barco. Será que erramos o horário? Será que era para nos encontrarmos aqui e naquela hora? E se eu tivesse esperado o próximo barco, seria a mesma? E você, seria o mesmo?
Tenho a impressão de que tínhamos que cruzar esse oceano juntos e de mãos dadas. Mas agora que chegamos à terra firme, do outro lado, somos obrigados a soltarmos as mãos e seguirmos sem o outro. Cumprimos o combinado e o estabelecido pelo destino. O que teria sido de nós se juntos não tivéssemos rido e brigado tanto... Aprendemos muito nesse percurso. Tanto que posso apostar que não somos mais os mesmos. Aprendemos tanto que já não cabemos dentro de nós. E por isso, temos que soltar as mãos.
Outro percurso? Outro encontro? Quem sabe... A vida está aí para mostrar sempre o contrário. Para reinventar sempre que acreditamos estarmos firmes. Há tanto sol ainda aqui, há tanto brilho nesse dia. Enfrentamos tantas tempestades, remendamos esse barco milhares de vezes, assopramos a vela quando o vento queria ir à direção contrária. Remar. Remamos tanto, desejamos tanto, que chegamos ao final.
Liberdade. Sem barco, sem amarras, sem ajuda um do outro. Livres estamos. Prontos? Não sei. Que seja forte essa vontade de ir além. Olhar você é enxergar todo o percurso já feito. É entender que nunca estivemos a sós, mas que agora é preciso partir. Por muito tempo o seu corpo foi meu albergue. O seu colo foi travesseiro. A sua mão foi alavanque.
Já finquei o nosso barco. Que ele fique aqui na costa sempre virado em direção ao horizonte. Nele estão tantas lembranças, tanto grito, tanto choro e tanto sorriso que é preciso mais do que vontade pra não querer leva-lo também.  Espero que encontre um barco tão seguro como o nosso. Era pequeno, mas era nosso. Nós cabíamos nele como se fosse feito pra nós.
É hora de navegar sem medo algum. É hora de cada um procurar seu próprio barco. O que será feito desse (o nosso barco) alguém decide quando encontra-lo. A viagem foi longa. Estou exausta. Amanhã preciso viajar. Vou dormir. Quem sabe até o próximo cais.